Flávio Venturini, coordenador da AAENFF afirma que “quem se reivindica socialista e passa um dia na Escola (ENFF), sai encantado, ela é uma ilha de socialismo, em Guararema, na beira da Dutra. Quem conhece a região, mal sabe que tem uma pequena República Socialista ali; mas ela dá formação para militantes, e eles vêm com essa perspectiva, e depois voltam para fazer uma construção de base. Mas a escola tem um conjunto de apoiadores – e não é nenhum julgamento moral – pela condição de vida, eles não têm esse tipo de vida militante de base. Na minha categoria, dos professores universitários, dos jornalistas, o trabalho deles às vezes os força a agirem de uma forma muito isolada, mas esses profissionais são grandes colaboradores, inclusive na organização e oferta de cursos. Como é a relação com o apoiador, sua importância, e como lidar com ele? Pois ele é uma pessoa com um perfil muito distinto da escola, mas ele – o colaborador – é tão importante como os movimentos que a escola apoia”, conclui.
Rosana Fernandes, diretora da ENFF concorda que esse é um ponto muito importante a se ressaltar. Para ela, a Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes deve ter uma presença maior, através de seus associados e simpatizantes. “A gente ainda não encontrou um caminho com mais intencionalidade para chegar aos apoiadores, de eles estarem mais presentes na Escola; nós temos algumas iniciativas em tempos normais, de ciclos de debates, numa dinâmica até boa com a Associação, normalmente no quarto sábado de cada mês, com temas específicos. Há outros apoiadores que vêm em visitas para conhecer esse espaço; e essa divulgação possibilita que outras pessoas, que mesmo que não estejam dentro da Associação dos Amigos, possam conhecer a Escola”.
A ENFF recebe também muitas visitas de colégios, de professores que trazem seus estudantes das Universidades, mas este caminho ainda não está totalmente construído, com um planejamento específico. Pontualmente, alguns apoiadores têm feito determinados cursos, mas a Escola não tem uma linha pedagógica ou estratégica para isso, dirigida ao público, ou aberta. Mas é possível construir essa ponte com alguns critérios para que se estabeleça essa possibilidade de cursos para os apoiadores, dentro dos diferentes núcleos de aprendizagem.
Um dos momentos mais fortes da presença dos apoiadores se faz durante os eventos maiores promovidos pela Escola, como a inauguração do campo de futebol em 23 de dezembro de 2017, batizado com o nome de “Campo Dr. Sócrates Brasileiro”, em homenagem ao jogador de futebol, falecido em 2011, socialista e um dos grandes apoiadores do projeto da ENFF. Na ocasião, um jogo amistoso contou com presenças mais que ilustres, entre as quais do cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ENFF tem realizado jogos com personalidades apoiadoras em seu campo, inclusive o mais recente foi em dezembro de 2019, antes da pandemia.
A ENFF se tornou uma ‘ilha’ de socialismo, mas ela é, e ao mesmo tempo não é uma ilha. Talvez – a ENFF – seja nessa perspectiva de respirar o socialismo, a formação humana na sua integralidade, talvez ela seja essa ilha; mas as pessoas que chegam e que saem da escola, elas estão no mundo, e chegam com seus valores, seus vícios, numa sociedade capitalista. Essas contradições vão surgir em algum momento no processo formativo, mas é importante que as contradições se apresentem no processo formativo das pessoas, a que a escola se propõe.
Na ENFF existe a Brigada Apolônio de Carvalho, integrada por 52 adultos que trabalham na escola, e 14 crianças que residem na ENFF com seus pais e mães. As contradições também aparecem neste público interno, pois são homens e mulheres jovens, que convivem ali por muito tempo, cada um com sua própria história de vida, com sua maneira de se inserir nos movimentos sociais, ligados ou não ao MST, como o Levante da Juventude, ou o MTD.
Por exemplo, na Brigada há motoristas da Escola, que são trabalhadores assalariados, não pertencentes ao MST, mas todos com algum nível de militância, mesmo em uma tarefa cotidiana, de dirigir os veículos da escola. Há também o pessoal de Portaria, contratados que residem no próprio bairro, e que são considerados e respeitados como militantes, mesmo tendo relações de trabalho e salários garantidos.
Sobre as relações com o bairro (Jardim Parateí, em Guararema), há uma relação de respeito que a escola foi adquirindo aos poucos com a comunidade, a princípio desconfiada por se tratar de uma iniciativa do MST. Já são 15 anos de uma boa relação com a comunidade, sem o registro de nenhum incidente. Muitos vizinhos já tiveram a curiosidade de visitar a escola por dentro, e os portões já foram abertos várias vezes à comunidade local, como durante apresentações Teatrais, por exemplo, em que escolas locais e seus estudantes foram convidados a participar desses eventos. A presença da Escola nesse pequeno bairro está consolidada.
Para Flávio Venturini, “quem conhece o MST, respeita; o MST é mais conhecido pelo preconceito, do que efetivamente”.Ele cita um evento no qual o MST recebeu um empresário de Nova York (EUA), e o mesmo foi recebido com muita tolerância e respeito de todos, contrariamente ao estereótipo de intolerância e radicalismo atribuídos ao Movimento Sem Terra.
Na Escola, todas as pessoas que vêm de fora, estão ali por terem sido convidadas, especialmente as autoridades, as personalidades, e na condição de convidadas, nada mais justo e normal que sejam muito bem tratadas. São convidados porque já tiveram alguma relação anterior com a Escola e com o MST, que é nacional e internacionalmente conhecido. A escola é um pedacinho do MST, que é muito mais amplo, tem relações nacionais e internacionais construídas nos seus 36 anos de existência. Esse zelo, esse cuidado, esse respeito com todos os que estão na escola já é natural, é da natureza da escola cuidar bem de todos os que visitam a instituição.
Uma marca importante que a Escola foi construindo ao longo de sua história, é que as pessoas que vão à escola pela primeira vez são convidadas a plantar uma árvore no ‘Bosque da Solidariedade’, e isso acaba ficando registrado, tanto na vida da escola, como na dos visitantes. Um levantamento está sendo feito do número de árvores plantadas, sua localização, e das personalidades que as plantaram durante essas visitas ao longo dos anos.
Sobre o tratamento igualitário para todos e todas que visitam e participam das atividades da ENFF, Rosana Fernandes fala com bom humor: “Todos pegam fila para almoçar, por exemplo; não tem distinção de quem pega ou não a fila; não é o ‘bam-bam-bam’ que não vai pegar fila. Talvez a gente amenize na hora da lavação dos pratos!”. Ela diz que essa atividade é realizada pelas brigadas específicas, gente que está por mais tempo na escola, e que é destacada para a tarefa, antecipadamente. Nas visitas do público externo aos sábados, o visitante pode conferir assim, como é o cotidiano da Escola e seu funcionamento, como passar pela horta e ver que tem um grupo de estudantes limpando os canteiros das saladas; passa pelo corredor, e tem gente lavando, limpando banheiros, essa é a dinâmica da escola; e muita coisa acontece ao mesmo tempo, enquanto alguns estão visitando, outros estão trabalhando, outros estão em sala de aula, outros em reunião, as cozinheiras fazendo a comida, outros servindo o café, e assim é a dinâmica, e isso é bem importante, até pela proposta socialista da escola, que exige diferentes níveis do envolvimento de todos e todas.
Com relação ao Poder Público Municipal da cidade de Guararema, a relação da ENFF com a prefeitura é bastante tranquila. A Escola tem demandas maiores em relação à Saúde Pública, devido ao grande fluxo de estudantes que permanecem albergados na escola, alguns até do Exterior, e que por vezes, necessitam de atendimento médico, e a prefeitura sempre atendeu e jamais negou socorro aos alunos. Houve até casos de mulheres estrangeiras que acabaram tendo seus filhos nascidos na Santa Casa de Guararema durante a permanência em cursos da ENFF, e tudo correu bem, com atendimentos cuidadosos, de muito carinho e atenção.
(Comunicação AAENFF)