Foto: Suzana Motta
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Termina nesta quarta (29) o seminário inaugural de “Formação Comunitária em Direitos Humanos”, que reuniu importantes lideranças e participantes para discutir os desafios atuais e as possíveis soluções para as questões fundiárias e de direitos humanos no Brasil. Realizado através de uma parceria entre a Universidade de Brasília (UnB), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST), com apoio do Governo Federal, este é o primeiro de cinco seminários regionais que acontecem nas cinco grandes regiões do país.
Ayala Ferreira, do Setor de Direitos Humanos do MST, destaca que o projeto foi inspirado em experiências anteriores na região Nordeste, focando na formação de base para aqueles que vivem nos acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária Popular e atuam na mediação de conflitos. Segundo Ayala, “há algum tempo atrás, apareceu essa oportunidade junto com a UnB, em parceria com o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania e através das emendas parlamentares do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e do deputado Salomão (PT-ES). Estamos agora englobando o Brasil e vamos fazer cinco seminários regionais, começando com esse na região Sudeste”.
A mesa de abertura contou com a fala inicial de Ney Strozake, do Setor de Direitos Humanos do MST, e Orlando Silva, deputado federal pelo PCdoB. Orlando enfatizou a importância do histórico dos movimentos sociais e populares e elogiou a organização do MST na construção de propostas para o país a partir da Reforma Agrária Popular.
O primeiro debate trouxe o cenário atual da política fundiária, com a presença de Sabrina Diniz, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA-SP), Sandra Maria da Silva Andrade, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), e Ricardo Baraviera, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Diniz ressaltou a necessidade de conhecimento dos processos para que os movimentos sociais saibam onde exercer pressão para avançar nas suas causas. “Nós retrocedemos 50 anos em 5, e isso é difícil de recuperar […], mas a única forma de garantir estes direitos e avançar para desfazer os retrocessos feitos nos governos anteriores é com informações e conhecimento”.
E complementou: “esses seminários são fundamentais para que as pessoas entendam as nossas limitações, mas que não se paralisem por isso. É importante a gente colocar todas essas limitações orçamentárias, burocráticas, judiciais e entender como funciona e o porque que alguns projetos não saem, se é falta de vontade política, e às vezes é, mas também se é um impedimento de outro setor”, afirmou Diniz.
Neste mesmo sentido, Sandra Maria da Silva Andrade, em participação por videoconferência direto do quilombo, falou sobre os desafios enfrentados pelos quilombolas, destacando a violência constante contra seus corpos e territórios, citando a morte de mãe Bernadete, assassinada em agosto de 2023. Ricardo Baraviera, da APIB, também abordou a violência no campo, ressaltando que os movimentos populares ali presentes são “movimentos irmãos”, pois partem de uma luta que muitas vezes é territorial, é cultural, e que resiste mesmo diante das violências.
O Professor doutor José Geraldo de Sousa Júnior, da UnB, participou da mística da ENFF e realizou o plantio de uma muda de aroeira antes de sua conferência inaugural sobre “Direitos Humanos na Atualidade”. Esta foi a primeira visita do professor à Escola, e fez menção à uma passagem do pesquisador durante sua passagem na CPI contra o MST, realizada no ano passado. “Como é bom estar em um debate em que as pessoas têm cognição”, lembrou.
José Geraldo refletiu sobre o princípio de função social da terra, introduzido na Constituinte de 1988, e como este princípio é questionado atualmente no Congresso Federal. Ele destacou que os direitos humanos são uma disputa por posições democráticas e constitucionais, e que a Constituição Federal de 1988 foi construída pelos movimentos sociais.
“Os Direitos Humanos não são as declarações, não são os monumentos produzidos como símbolos, embora estes tenham indícios. […] Direitos Humanos estão nas ideias, mas ele só se concretiza enquanto disputa por posições democráticas e posições constitucionais. É, em suma, ação política. E por isso que nossa constituição é um instrumento importante, ela foi construída pelos movimentos sociais”, afirmou em discurso.
A história não é uma coisa que vai de cima pra baixo, para ter avanços e recuos. Ela é permanentemente contraditória. E se faz aos trancos e barrancos, se faz com dramas e abatimentos de protagonismos, mas ela se transforma na ação política e nisso, transforma o mundo”
– José Geraldo de Sousa Júnior, da UnB
Nesta terça-feira (28), o seminário contou com conferências que debateram temas como os massacres no campo, conflitos e emergências climáticas, criminalização e formas de resistência no campo, e a participação e os impactos do Sistema de Justiça no acesso à terra e território. O evento se encerra nesta quarta (29), com uma mesa de reflexão sobre as relações étnico-raciais e de gênero na luta por terra e território, com representantes da CONAQ, APIB e MST.
Ayala Ferreira destacou também a importância de reunir pessoas para refletir sobre a situação atual do campo, mobilizando membros do MST, movimentos populares para abordar o reconhecimento e a demarcação dos territórios indígenas e quilombolas, e a Reforma Agrária como dimensões fundamentais para superar as desigualdades no Brasil.
“Estamos muito felizes com essa perspectiva de reunir as pessoas para sonharmos coletivamente um outro Brasil, que passa pela democratização do acesso à terra e pelo reconhecimento das terras tradicionais indígenas e quilombolas”, afirmou Ayala.