Ladislau Dowbor e Ju Furno analisam conjuntura econômica e social do Brasil sob Bolsonaro
Os economistas Ladislau Dowbor e Juliane Furno foram os entrevistados do Canal Amigos ENFF no YouTube no dia 3 de maio, com transmissão simultânea na TVT, canais do Barão e Ju Furno, para falar de desemprego e conjuntura econômica brasileira.
Tendo uma longa trajetória, desde a resistência à ditadura, e experiência como economista e consultor internacional das Nações Unidas, Dowbor vê no abismo social brasileiro um dos principais entraves ao desenvolvimento. “O Brasil, se você pegar o nosso PIB de 2020, que é de 7,5 trilhões de reais, divide isso pela população de 212 milhões, o que a gente produz hoje dá 11 mil reais por mês, por família de quatro pessoas; a gente produz muito mais do que necessário para assegurar a todo mundo uma vida digna e confortável.
Ele informa que, dos 212 milhões de habitantes, 150 milhões são adultos, mas apenas 44 milhões tem empregos formais. “Ou seja, num país que tem tanta coisa para fazer, tem tanta gente no setor informal, ou desempregados, ou desalentados, isso aqui é um problema! A gente está subutilizando a força de trabalho”. E constata: “Nosso problema não é econômico, é de organização política e social”.
Para Juliane Furno, há uma falsa ideia implantada pela elite econômica, de que o país está quebrado e não tem dinheiro, o que justificaria reformas estruturais, privatizações em massa, e retirada de direitos aos trabalhadores. Então o Brasil “passou a conviver com uma palavra de ordem no campo econômico que o Estado estava quebrado, acabou o dinheiro, não tem de onde tirar, e essa narrativa de que o PT teria quebrado o Estado brasileiro”. Ela diz que isso é totalmente falso, e diz que “a economia capitalista é essencialmente uma economia portadora de crise. Então só o Estado nacional, por sua capacidade de gastos, pelo seu manejo da política macroeconômica tem condições de operar de maneira anticíclica. Se ninguém gasta numa economia em crise, ninguém recebe, e se ninguém recebe, você tem mais dificuldade de sair do ciclo recessivo”. E afirma que foi justamente nos governos do PT que houve mais investimentos, que impulsionaram a economia, por meio de políticas sociais.
Ricos mais ricos…
Ladislau lembra que em 2020, em plena pandemia, em apenas quatro meses “42 bilionários no Brasil aumentaram as suas fortunas em 180 bilhões de Reais. Como é que aumenta o lucro dos mais ricos, quando a economia está recuando? 180 bilhões são seis anos de bolsa família, que normalmente servem para 50 milhões de pessoas”, constata. Outro elemento perverso do capitalismo brasileiro é denunciado por Dowbor, denunciando que “desde 1995 lucros e dividendos distribuídos são isentos de impostos”, ou seja, os ricos no Brasil sequer pagam tributos por seus lucros. Para ele, “o nosso problema é político, e se a gente olhar para Brasília, a gente vê que nosso problema é também de inteligência”.
Enquanto isso, “o Brasil está à beira de um colapso, estamos paralisados, é o oitavo ano que a economia está parada. Nós temos 19 milhões de pessoas passando fome, e 112 milhões com insegurança alimentar, num país que produz, só de cerais, três quilos e duzentos (3,2kg) por pessoa, por dia! Esse é o nível de absurdo que a gente enfrenta”, lamenta.
Outro problema constatado por Dowbor são as elevadas taxas de juros e a condução da Economia no Brasil, e denuncia que “temos hoje 62 milhões de pessoas que estão enforcadas na dívida, dos quais 25% estão simplesmente em bancarrota pessoal”, e que o governo Bolsonaro transferiu bilhões para os bancos sob o pretexto de gerar crédito às empresas, mas as instituições financeiras não fizeram esse repasse, e o resultado foi mais lucro para estes, e quebradeira nacional. “É o caos, é o caos, que está favorecendo grandes grupos internacionais, está favorecendo bancos, e não está favorecendo o país”.
Sobre o ministro Paulo Guedes ter sido o co-fundador do banco BTG Pactual, fato divulgado pelo The Economist, Dowbor disse que foi ao Valor Econômico, e viu dados do organograma daquele banco e viu que o BTG tem “38 filiais em paraíso fiscal; para que você tem 38 filiais em paraíso fiscal? Está no Panamá, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, etc. Para canalizar pra fora o dinheiro. Um cara que é co-fundador do BTG Pactual, que aliás estava associado com o Credit Suisse nesse processo, é o ministro da Economia”.
Dowbor disse que qualquer pessoa pobre e desempregada, numa favela, portadora de um cartão eletrônico no bolso, por menor que seja seu valor, já tem extraída uma taxa de serviço de, digamos, “R$12, multiplica por 18 milhões de portadores desse cartão, você tem esse dinheiro extraído; você não precisa mais gerar emprego para explorar, ou seja, esse dinheiro que hoje não é mais uma coisa impressa pelo governo, que é apenas 3%, e 97% são sinais magnéticos; essa exploração através do sistema financeiro permite atingir toda a massa da população, que pode estar desempregada, mas ele vai ter que comprar o raio do fogãozinho, vai ter que pagar aqueles juros do crediário”, ou seja, mesmo sem gerar empregos ou produzir mercadorias, o ‘mercado’ lucra numa economia estagnada.
Inflação e economia estagnada
Ju Furno falou também do paradoxo de alta inflação de alimentos, mesmo diante de uma economia estagnada no Brasil e com baixo consumo de serviços. Para ela, “esse é um elemento um pouco inédito, e de certa forma contraria o que são os manuais de Economia”. Ela ataca o que chama de “pobreza da ciência econômica de manual”.
Juliane diz que nos governos Lula e Dilma havia uma inflação de serviços, porque havia emprego, e os serviços eram demandados pelos mais ricos, então “era uma inflação boa, que transferia renda” para trabalhadores e prestadores de serviços, diz. Hoje o desemprego está muito elevado, as pessoas não têm renda, e há uma deflação de serviços, “mas o que contribui para a inflação ficar mais elevada é o preço dos bens, e porque esses preços estão mais elevados? Porque grande parte dos bens no Brasil têm componentes intermediários que são importados”.
A inflação, segundo ela é diferente para pobres e ricos: “A inflação não é igual para todo mundo; a inflação em alimentos pesa mais nas pessoas que recebem menos renda. Enquanto as classes de renda mais elevada, que consomem principalmente serviços, estão vivendo muito bem, inclusive estão gastando menos”. Ela diz que esse fenômeno é possível, porque nos serviços a mão de obra está mais barata, pela crise. Ou seja, trabalhadores recebendo menores salários, e pagando mais por comida.
Juliane diz que “o controle da inflação é às custas do desemprego, da recessão, da queda do poder de compra dos trabalhadores”.
Fim do trabalho?
Para os economistas entrevistados, o trabalho não vai acabar, mesmo que antigas funções tenham sido extintas pelo avanço tecnológico, e os abismos sociais serem os maiores da história. Ju Furno acredita que “o trabalho não vai acabar, nunca vai acabar, não só pela natureza humana, a atividade criativa, humana, periodicamente feita para transformar a natureza para a sobrevivência, mas nem o trabalho abstrato, assalariado, que é típico do sistema capitalista; enquanto existir capitalismo, vai existir força de trabalho, até porque, isso está lá no Marx, a única mercadoria do sistema capitalista que é capaz de adicionar mais valor do que as mercadorias valem, é a força de trabalho”. Para ela, “o principal fator de riqueza é o trabalho humano”.

Privatizações
Ladislau diz que as privatizações de patrimônio público no Brasil são um roubo: “Se eu bato a carteira de alguém sou ladrão, agora, quando eu me aproprio de bem público é privatização”.
Segundo Dowbor, a SAMARCO, que é do grupo da Cia Vale do Rio Doce, privatizada, quando lucrava, ao invés de consertar suas barragens, pagava dividendos a seus acionistas, nacionais e internacionais. Aí aconteceu aquela tragédia do rompimento da barragem, que causou a morte de centenas de trabalhadores.
O cara compra ações e passa a enriquecer, ele não precisou produzir alguma coisa, ele é o operador de bolsa, são aplicações financeiras, que no Brasil todo mundo chama de investimento, mas não é. Em francês fica totalmente claro: ‘investissement’ é você construir escolas, construir estradas,etc, investimento. O outro é ‘placement financeire’, aplicações financeiras; você não produziu nada, o cara pode ficar rico. E como fica rico? Aqui tem bilionário com mais de 100 bilhões. Agora vocês imaginem que eu tenha um bilhãozinho só, um bilhão. Se eu aplico isso a 5%, essa aplicação financeira, não dá trabalho, eu mando um banco fazer; sabe quanto estou ganhando sobre um bilhão, a 5% ao ano, que é muito modesto? Eu estou ganhando 137 mil Reais ao dia. No dia seguinte, eu estou ganhando 5% sobre o bilhão, mais 137 mil, e por aí vai, o que em finanças a gente chama de ‘snowball effect’, efeito bola de neve”.
Segundo Dowbor, não há dados no Brasil, mas segundo um estudo dos EUA, do dinheiro que sai do país, de dividendos de acionistas, apenas 10% voltam ao país, o que se chama de ‘capital extrativo’. Ele diz que “é uma merreca que volta para a economia. Essa é uma economia essencialmente extrativa”, ou seja, um capitalismo extrativo.
Ju Furno diz que “é bastante contestável essa ideia de que existam investidores nacionalistas, ou que exista burguesia nacionalista, uma classe dominante comprometida com os interesses nacionais, comprometida com a modernização do Brasil, comprometida com o desenvolvimento industrial. O Florestan Fernandes inclusive ajudou a caracterizar a classe dominante do Brasil, que diferente da classe dominante dos países europeus, que fizeram legítimos processos de revolução burguesa, aqui ela sempre teve um conteúdo muito mais antinacional, antidemocrático e antipopular”.
Então os investidores nacionais, ainda se existirem, o que eu duvido, são incapazes de retomar o ciclo do crescimento e da industrialização, porque isso é papel do Estado, e é papel não só do Estado, mas é papel do planejamento estatal.
Dowbor lamenta que “nós tínhamos de 2003 a 2013, nessa década, um Estado a serviço da dinamização da economia, hoje isso acabou, eles usam o Estado para extorquir as pessoas, são as taxas de juros, os dividendos extraídos, é a privatização que repassa o solo, a madeira da Amazônia, os minérios, o petróleo, repassam isso para grupos internacionais. Os grandes grupos financeiros internacionais estão felizes da vida, não prestam atenção nas bobagens do Twitter do Bolsonaro, eles sabem sim que estão se apropriando do petróleo, do solo e de tantas riquezas do Brasil. Essa é uma tragédia para o país, o Estado foi privatizado.
Governo ‘entreguista’
Dowbor e Furno concordam que o governo Bolsonaro tem sido um desastre para a defesa dos interesses nacionais: Enquanto não mudar esse governo, enquanto se mantiver esse sistema que é essencialmente entreguista”, Ladislau diz que as coisas não vão mudar.
“O denominador comum que eu vejo nessas várias perguntas está sempre em torno disso, quer dizer, como é que o Estado, em vez de ajudar grupos nacionais e internacionais a drenarem a economia, como o Estado passa a ser um Estado fomentador da economia. Esse Estado fomentador da economia, para quem leu Celso Furtado, está no núcleo o raciocínio dele. Nós precisamos do Estado, mas o Estado é uma ferramenta, depende nas mãos de quem está. Atualmente está nas mãos de uns oportunistas nacionais associado com grandes corporações internacionais que não estão nem aí para Brasil, para coisa nenhuma, estão aí para satisfazer seus acionistas, esse sistema não funciona”,constata. Mas, para ele, no atual governo “está dando tanta coisa errada com aquele bando de oportunistas que está ali em cima, que eu tenho a esperança que o movimento pendular leve para uma outra dinâmica”.
Lula
Ladislau Dowbor elogia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o defende: “Eu conheço o Lula desde 1980, são 40 anos quando eu fui anistiado e voltei ao Brasil. Falar de Lula corrupto é uma palhaçada, jogaram essa pecha em cima dele. Aliás é assim que derrubaram Getúlio Vargas, levaram ele ao suicídio, o ‘Moro’ naquele tempo se chamava Carlos Lacerda; usaram isso para justificar o golpe de 1964, enfim, desde sempre se usa a corrupção, porque aí você joga uma coisa de podridão em cima da pessoa, isso cola de tanto que reproduziram e martelaram. Lula na minha convicção é estadista. Gente, eu conheci Nelson Mandela, conheci Ben Bella (primeiro presidente da Argélia livre da França), conheci chefes de Estado, sabe? Lula na minha convicção é estadista de primeira linha, ele sabe negociar, ele tem consciência, e sabe o que é? Ele tem um imenso respeito internacional; isso ajuda muito para a gente tocar políticas renovadoras; eu tenho muita esperança neste sentido”.
Ao final, dá sua receita de esperança: “Em termos de economia o básico é o seguinte: a economia tem que ser organizada em função do bem-estar generalizado das famílias; é isso o que funciona em termos éticos, em termos políticos, e em termos econômicos. O resto é narrativa, é conto de fadas”.
QUEM SÃO
Ladislau Dowbor é economista e professor titular de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios. Autor e co-autor de cerca de 45 livros, toda sua produção intelectual está disponível online no website www.dowbor.org.
Juliane Furno é doutora em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), assessora parlamentar na Câmara Federal e militante do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular, organizações populares de esquerda. Também colabora com o Jornal Brasil de Fato, onde mantém uma coluna (ver em: https://www.brasildefato.com.br/colunistas/juliane-furno).
Veja a Íntegra do debate em: https://www.youtube.com/watch?v=SRDX6pndKOA&t=4351s
Comunicação AAENFF